Sobre planejamento e insurgência

De Urbanismo Biopolítico
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1. Apostas retiradas do texto de Thiago Canettieri, 2013.

"Para além de toda intervenção urbana ser uma forma de dominação, destaca-se aquelas intervenções urbanísticas que são uma resposta ao movimento social organizado. Uma forma de exercer o controle. Assim, essa forma de controlar é recorrente na historiografia e refletida por diversos teóricos. A partir da ação, da tentativa popular, de romper esse biopoder, muitas respostas eram dadas no nível do urbanismo. Para citar alguns:

1) As “journées de juin” de Paris em 1848, movimentos populares que desafiaram o fechamento pelo governo dos Ateliers Natiounaux (espaços que distribuía empregos aos desempregados parisienses), em que a população revoltosa formou barricadas pelas cidades e transformou a pauta do emprego em uma construção mais geral de igualdade, foram sucedidas pelas grandes obras urbanísticas do Artista-Demolidor, o Barão de Haussmann que criou a concepção dos largos bulevares que ainda hoje encontram-se em Paris, destruindo assim a forma de relação que a população mais imediata a revolta de 1848 tinha com a cidade.

2) A intensificação das revoltas urbanas de Nova York, estimuladas pelas aprovações de leis trabalhistas pelo congresso, durante a década de 1850 que mobilizou disputa entre diversos grupos pelas ruas da cidade, foi sucedida pelo planejamento e construção do Central Park, finalizado em 1873.

3) A criação, em 1863 da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães e também em 1875 do Partido Socialdemocrata Alemão coincidem o começo da legislação de planificação e regulação das cidades promulgada por Bismarck, de 2 de Julho de 1875;

4) Durante a grande depressão de 1929, devido ao crash da bolsa de valores que gerou milhares de desempregos nos Estados Unidos, deu lugar a uma proliferação de intervenções como soluções urbano-territoriais através do New Deal estadunidense;

5) O grande movimento estudantil e sindical em Maio de 68 em Paris, em que pautas da esquerda foram levantadas e observou-se uma grande união das pessoas em torno da defesa delas, o que permitiu um grande deslocamento entre intelectuais e operários, fortalecendo ambos os movimentos e, por consequência, o próprio Maio de 68, foi seguido por uma política pública de equilibrar a rede urbana francesa, criando novas cidades que foram destruídas durante a segunda guerra, política que ficou conhecida como villes nouvelles, permitindo que se descentraliza de Paris.

6) A geração da década perdida da américa latina, durante os anos 1980, vivenciando a experiência cotidiana entre fortes ditaduras e uma crise econômica generalizada na região com redução da produção industrial e do crescimento econômico como um todo, com perda de poder de compra da população e endividamento, a geração foi então ‘encontrada’ com grandes planejamentos urbanos-regionais.

7) As manifestações estudantis na Argentina entre 1980 e 1982 devido ao descontentamento com a situação social vivida no país, que inclusive teve força suficiente para impedir a presença do ditador numa solenidade, teve, sete anos mais tarde, o grande projeto de renovação e revitalização do Puerto Madero, hoje cartão postal de Buenos Aires.

8) As famosas L.A riots de 1992, em que a população negra, condenada a viver nos guetos das periferias se colocou positivamente nas ruas em protestos e ações diretas foi seguida do sagrado Urban Rebirth no início dos anos 2000 que requalificou o centro urbano da cidade.

9) A luta estudantil em Portugal, que denominou-os de Geração Rasca, em 1992 culmina com a grande EXPO-98 e suas obras de intervenções urbanas.

10) A crise europeia e situação de calamidade econômica da Grécia de 2008 que conduziu a uma série de protestos busca ser resolvida com uma lista de prioridades do fundo NSRF que envolvem investimentos em planejamento urbano.

O que esses eventos todos em comum é que revelam a forma de agir eficaz que o poder instaurado possui, agindo através das formas urbanas.

Pode-se, em termos do pós-estruturalismo de Negri e Hardt (2011), falar que os movimentos sociais estavam na busca de construir o comum. Tinham essa direção. Os diversos levantes populares citados anteriormente foram, de alguma forma, subversivos. Atacavam algum determinado ponto da estrutura sócio-política da realidade. Era necessário uma resposta por parte das classes dominantes.

O poder estatal aliado ao poder do capital, para garantir a própria sobrevivência da classe hegemônica é diametralmente oposto a esse processo. Pode-se falar assim que essas intervenções urbanas, tidas como respostas a ações sociais são, na verdade, uma “desocialization of the commons” (NEGRI, HARDT, 2011, p.258).

Mas, subvertendo essa lógica, aparece o papel da multidão. Considerando que o fenômeno da urbanização neoliberal se tornou uma necessidade do capitalismo e que as grandes obras de intervenção urbana são processos recorrentes e que, muitas vezes, são relacionados à interdições de direitos, o que se observa é um levante multitudinário contra essas grandes obras. Se antes era papel do planejamento urbano ser a resposta aos movimentos sociais, hoje os movimentos sociais são as respostas aos planejamentos “neoliberais” das cidades. Para citar alguns:

1) A população da África do Sul se levantou contra as grandes obras da Copa do Mundo da FIFA de 2010, em que priorizou-se a construção de grandes estádios, fadados à subutilização, em detrimento de uma série de necessidades básicas da população sul-africana. Uma série de protestos com pessoas na rua reivindicavam gastos com obras mais coerente com a realidade das pessoas e não pela necessidade do capital de ser reinvestido.

2) Na cidade de Burgos, norte da Espanha, observou-se um grande levante multitudinário em torno do bairro Gamonal, contra a construção de uma grande avenida. A população se opôs devido ao elevado custo de 8,5 milhões de euro e a construção conjunta de um estacionamento subterrâneo ao preço de quase 20.000 euros por vaga. A população nas ruas contra o empreendimento aumentou as pautas, englobando o direito à cidade e a construção da cidade para as pessoas, pelas pessoas e não para nem pelo o poder econômico.

3) Em Estocolmo, Suécia, observou-se uma série de levantes dos jovens das periferias, muito deles migrantes. Eles se colocavam ativamente contra o projeto de uma Estocolmo Sustentável, marketing que a cidade passou a adotar, uma vez que esse projeto representava apenas um verniz para o centro de Estocolmo. Suas residências e locais de trabalho, muitas vezes fora da área do projeto de sustentabilidade, continuavam sem aparecer nos planos do poder público e nem capital para ser investido nessas áreas.

4) O parque Gezi, em Istambul, Turquia, foi palco de mais uma luta multidunária ao longo do ano de 2013. Com o projeto, pensando exclusivamente pela ligação estado-capital, de criar um shopping na área do parque, deu-se inicio a uma acampamento no coração de Istambul em que foi pautado a democratização da cidade a construção de uma cidade para as pessoas. A polícia reprimiu violentamente os manifestantes, mas estes não se amedrontaram e, diversas vezes ainda vão às ruas. A multidão de Istambul conseguiu proteger o parque Gezi, que representa uma vitória da democracia e das pessoas contra o poder das classes dominantes.

5) No Brasil, em todas as cidades sede para a Copa do Mundo, mas destacando o município de Rio de Janeiro, desde o início das obras para o megaevento da FIFA e das Olimpíadas, tem-se observado uma série de interdições de direitos das populações. Milhares de famílias removidas de suas casas para dar lugar a estacionamentos, como foi o exemplo da favela do Metrô, próxima ao Maracanã. A população desde esses primeiros momentos explodiu numa onda de multidão em Junho de 2013 durante a realização da Copa das Confederações contra esse projeto de urbanismo.

6) Em Belo Horizonte, ao ser anunciada a megaoperação urbana Nova BH, que compreende aproximadamente 13% do território do município e que flexibiliza uma série de parâmetros urbanísticos criando um cenário interessante ao investimento do capital imobiliário, com uma série de violações de direitos, falta de diálogo e sem participação democrática da população e ainda um horizonte de privatização de uma série de serviços urbanos, a população se organizou em torno dessa pauta para lutar por uma cidade em que esse tipo de projeto, que prioriza interesses privados do grande capital, não se efetive.

7) Em Hamburgo, durante 2013 ocorreu uma série de protestos multitudinários contra o planejamento urbano que ia ser imposto na cidade. A população anseia maior participação nas decisões dos rumos da cidade em que vivem, mas muitas das vezes, o interesse popular caminha de forma separada da necessidade colocada pelo capital, que precisa de ser reinvestido e acumulado em escalas sempre maiores.

8) Situação semelhante ocorreu na França, na cidade de Nance durante fevereiro de 2014. Os protestos marcados com confrontos contra a polícia são contra uma grande obra de infra-estrutura, a construção do aeroporto Notre-Dame-des-Landes. As pautas são semelhantes, a multidão que saiu as ruas de Nance se coloca contra a construção de projetos desnecessários para as pessoas, mas imperativos para o capital sobreacumulado. Nas placas de Nance podia-se ler: “Nem Metrópole, nem aeroporto. A cidade é nossa”.

Esses levantes multitudinários seguem um padrão mais ou menos semelhante. Em um primeiro momento se tem ações diretas e os “ocupas” que pautam esse momento de que o levante representa a resistência ativa. Em geral, essas manifestações são duramente repreendidas pela ação conjunta do estado-capital. Esse momento deve ser entendido como resistência reativa (que reage à uma primeira: a multidão). Desse processo, constroem-se um fenômeno de democracia radical, uma forma paralela de organização social baseada no empoderamento do cidadão, que se insere na vida política da cidade." [1]




Referências

  1. (CANETTIERI, Thiago. 2013)