Análise Crítica do Novo Plano Diretor de Belo Horizonte

De Urbanismo Biopolítico
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Análise Crítica do Novo Plano Diretor de Belo Horizonte_GRUPO DE PESQUISA INDISCIPLINAR (CNPq-UFMG)_(PELO 08/15, PL 1749/15 e PL 1750/15)

Introdução

O Indisciplinar é um Grupo de Pesquisa do CNPq sediado na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA-UFMG) e tem suas ações focadas na produção do espaço urbano. O grupo é formado por professores, pesquisadores, graduandos e pós-graduandos, ativistas oriundos de diversos campos do conhecimento e de várias instituições acadêmicas e cidadãos interessados na temática urbana.

Em 20 de novembro de 2015, o Indisciplinar organizou aula pública sobre o Projeto de Lei do Novo Plano Diretor de Belo Horizonte - estrutura legislativa e conteúdo técnico - com a participação de três técnicas da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (SMAPU-PBH), responsável pela elaboração do projeto de lei encaminhado pelo Executivo à Câmara Municipal de Belo Horizonte. A partir da reunião, os pesquisadores do Grupo Indisciplinar avaliaram os Projetos de Lei 1749/15 (PL 1749/15) e 1750/15 (PL 1750/15) e o Projeto de Emenda à Lei Orgânica 08/15 (PELO 08/15).

O objetivo geral foi avaliar sob perspectiva urbanística crítica (técnica e política) os Projetos de Lei elencados acima sob os princípios de cidadania, de democracia, do direito à cidade, de justiça social e de sustentabilidade ambiental. Procedeu-se à elaboração desse relatório de avaliação relativa às inovações propostas pelo novo Plano Diretor de Belo Horizonte, dividido em duas partes:

(i) propostas a serem mantidas no novo texto legal proposto e (ii) pontos problemáticos e sugestões de alterações.


2) Propostas a serem mantidas

Coeficiente de aproveitamento básico igual a 1,00 para todo o município (art. 13 c/c parâmetros estabelecidos pelo Anexo XV do PL 1749/50).

A adoção do coeficiente básico e unitário para toda a cidade torna operacional o instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir, que permite ao poder público municipal recuperar para a coletividade parte da valorização imobiliária decorrente da concessão, outrora gratuita e apropriada por particulares, de permissividade construtiva acima de 1,0, diferenciada pelas categorias de estruturação urbana. Além de fazer a distinção entre o direito de propriedade e o direito de construir, garante-se o tratamento isonômico a todos os munícipes, permitindo a aplicação dos recursos decorrentes da instituição do instrumento nas finalidades previstas pelo art. 26, I a VIII, do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01);

Fim da gratuidade da área destinada a estacionamento de veículos no limite do coeficiente de aproveitamento básico (art. 106 e Tabela XV.5, do Anexo XV, do PL 1749/15).

A Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo vigente, Lei Municipal 7.166/96, permite, em seu art. 46, I, a utilização do coeficiente de aproveitamento básico duas vezes: a primeira, destinada à construção das áreas de uso residencial ou não residencial da edificação; a segunda, para área destinada ao estacionamento de veículos. Com a nova proposta, a área destinada ao estacionamento de veículos passa a ser contabilizada no coeficiente de aproveitamento. A contabilização da área de estacionamento, além de diminuir o tamanho das edificações, diminui o número de vagas de veículos particulares, o que é condizente com a política de mobilidade municipal e federal de estímulo ao uso de transporte público;

Diminuição do número mínimo de vagas para veículos leves (Tabela XV.5, do Anexo XV, do PL 1749/15).

Os parâmetros urbanísticos propostos para o cálculo do número mínimo de vagas são inferiores ao vigentes atualmente, o que é positivo para a cidade, já que diminui o impacto construtivo, reduz o número de veículos privados em circulação e estimula o uso do transporte público coletivo; Criação do Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo - FSTC (art. 364 do PL 1749/15). A inclusão do Título IX, Da Mobilidade Urbana (arts. 325 a 377), demonstra a preocupação em se integrar as políticas setoriais que incidem diretamente sobre a construção e o acesso à cidade. Neste capítulo especificamente, propõe-se a manutenção da previsão de criação do Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC), que prevê a destinação dos recursos para subsidiar o serviço de transporte coletivo no Município, com vistas à manutenção e à redução das tarifas;

Definição de imóveis subutilizados e não utilizados (arts. 9º e 10 do PL 1749/15).

A definição de imóveis subutilizados e não utilizados pelo PL 1749/15 permitirá ao Município aplicar os instrumentos compulsórios previstos na legislação federal, até então ainda não utilizados no Município de Belo Horizonte (do parcelamento, da edificação e da utilização compulsórios, do IPTU progressivo no tempo, da desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública e do consórcio imobiliário). Destaca-se, dentre os imóveis subutilizados, os lotes destinados exclusivamente à atividade de estacionamento, que passam a ser considerados subutilizados (art. 9º, II do PL 1749/15);

Prioridade de aplicação dos instrumentos de utilização compulsória em imóveis localizados na Área Central e em terrenos lindeiros a eixos de transporte coletivo (Cap V do PL 1749 /15 e art. 2º, §2º do PL 1750/15).

A prioridade de se aplicar os instrumentos de utilização compulsória em áreas adensadas e dotadas de infraestrutura visa a aumentar a densidade populacional, otimizar a infraestrutura implantada, estimulando o uso do transporte coletivo e possibilitando a diversidade da ocupação no Município; Alteração da composição do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) (art. 47, do PL 1749/15). Com a alteração proposta, não há representantes da Câmara Municipal de Belo Horizonte no COMPUR. Apesar de haver ganho, permitindo maior controle e participação popular na implantação da política urbana do Município, o Executivo municipal ainda possui a maioria dos representantes no COMPUR, o que mantém a característica do Conselho de apenas referendar as decisões dos órgãos técnicos municipais. O ideal seria que o Executivo tivesse único representante, para intermediar as discussões e servir de apoio técnico, papel semelhante ao que o Executivo desempenha na Conferência Municipal de Políticas Urbanas, em que o Executivo apresenta propostas, mas não possui direito de voto. Sugere-se a apresentação de emenda aumentando a representação da sociedade civil e restringindo a representação do poder público municipal a um representante;

Reconhecimento das Ocupações Dandara, Eliana Silva, Camilo Torres e Irmã Dorothy como Área Especial de Interesse Social 2 (AEIS-2) (aRT. 176 e 234, do PL 1749/15). O reconhecimento das ocupações com mais de 05 anos como Área de Especial Interesse Social permitirá a regularização das áreas e o reconhecimento da posse de seus ocupantes;

Zoneamento da Mata do Jardim América e da Mata do Planalto como Categoria de Estruturação Urbana Proteção Ambiental 1 (PA-1). Classificar as duas áreas como de Estruturação Urbana Proteção Ambiental 1 (PA-1) demonstra a pertinência das lutas empreendidas pela população local para a manutenção e a valorização das áreas verdes do Município e o equívoco da legislação anterior em classificar as áreas como de adensamento, permitindo a supressão da área verde. O ideal seria o novo Plano Diretor prever a suspensão ou o cancelamento de licenciamentos de empreendimentos em áreas previstas como PA-1 no Projeto de Lei 1749/15 e que não atendem aos parâmetros definidos para essa categoria para impedir a continuidade do licenciamento dos empreendimentos, como permite o art. 1º das Disposições Transitórias do Projeto de Lei.


3) Pontos problemáticos e sugestões de alterações

Planejamento e gestão urbanos

O Projeto de Lei prevê vários planos territorialmente delimitados e complementares ao Plano Diretor: Planos de Regularização Fundiária (PRU), Planos de Estruturação Ambiental (PEAs) e Planos de Preservação Ambiental e Ocupação Especial de Interesse Social (PRAEIS). Falta clareza no texto sobre a competência para elaboração e para execução, a gestão, a origem os recursos e o processo de aprovação, acompanhamento e controle social dos Planos.

Habitação

AEIS-1 (áreas destinadas à produção de Habitação de Interesse Social - HIS): a maior parte das áreas marcadas como AEIS-1 são periféricas, ainda que haja muitos terrenos vagos e aptos a receber HIS em áreas mais centrais e valorizadas. Foi feito corte de valor de terreno para demarcação das mesmas, mas dessa forma o instrumento perde sua força de interferir no mercado de terras, ajustando o valor de terrenos em áreas mais valorizadas onde hoje é impossível produzir HIS;

AEIS-2 (loteamentos passíveis de regularização fundiária): Por que usar a expressão loteamento na definição de AEIS-2, já que se trata de ocupações irregulares e não de parcelamento do solo regular, na forma de loteamento, como definido na legislação? Ocupações consolidadas há mais de cinco anos, quatro no total, foram classificadas como AEIS e não ZEIS. Qual o motivo de tal diferenciação? Há, aqui, sinalização de incorporação dessas ocupações à cidade formal, com a possibilidade de maior adensamento e desapropriação futura (com posterior reordenamento territorial)? As AEIS-2B, que incluem as ocupações e exigem intervenções estruturantes, exige a elaboração de PRU - Plano de Regularização Urbanística - para sua regularização. Qual órgão é responsável pela aprovação, a Urbel? Os interessados podem propor o PRU ou é necessária a provocação do poder público para a URBEL licitar o PRU? Planos que já foram elaborados pelas assessorias técnicas às ocupações podem ser utilizados como PRU? Tem-se, ainda, que a permanência das famílias só ocorre se elas se enquadrarem nos critérios de assistência da politica municipal de habitação, delegando para o Conselho Municipal de Habitação a definição de quem permanecerá após a regularização das AEIS. Há claro risco de expulsão das famílias que não se enquadram, tornando as ocupações reserva de área para a população que atende aos critérios estabelecidos pelo Conselho, que hoje privilegia moradores há mais tempo estabelecidos em Belo Horizonte em detrimento de moradores oriundos de outras cidades, ignorando a dimensão metropolitana do déficit habitacional.

ZEIS: Verificou-se que há interseções das vilas e favelas (ZEIS) com os Projetos Viários Prioritários (ex: Vila de Sá, Vila Dias...). Dessa forma, não existe segurança das ZEIS contra as grandes intervenções viárias propostas pelo município. Os projetos viários prioritários deveriam ser alterados de forma a garantir a manutenção das ZEIS;

Classificação de HIS: O artigo 173 define duas classes de HIS (1 e 2), mas posterga a definição das classes “a partir de critérios estabelecidos pelo executivo, que devem correlacionar a renda da família beneficiada e o valor da unidade habitacional”. Essa indefinição traz riscos para a população afetada, que fica a depender da gestão municipal para efetivação de seus direitos, visto que as definições do que se pode produzir nas AEIS é baseado nessa classificação (art. 218). Assim, por exemplo, o executivo poderá definir que HIS-1 compreende famílias com até 6 salários mínimos (ao invés dos atualmente praticados de 3). O §3º delega a definição do Grau de Vulnerabilidade ao CMH. O Projeto de Lei deveria estabelecer ao menos limites para os critérios a serem definidos, garantindo-se o princípio da segurança jurídica do administrado. Apenas apresentar conceitos, deixa a questão em aberto, apenas aparentando segurança de permanência e regularização às famílias instaladas nos locais;

O art. 218, §2º, do PL 1749/15, autoriza a exclusão de terreno de AEIS mediante disponibilização de outro, não classificado como AEIS, que garanta a implantação do mesmo número de unidades habitacionais do originalmente marcado. É um absurdo, pois trata obviamente de transferir ainda mais para a periferia a produção habitacional, permanecendo a lógica apenas quantitativa e não qualitativa e locacional das HIS. O discurso da viabilidade econômica das AEIS permeia e justifica todas essas regras, desvirtuando por completo o instrumento como forma de intervir no mercado de terras e no valor dos terrenos. É certo que na lógica do mercado, a produção de HIS é inviável se não for completamente subsidiada pelo Estado, mas, permitir a troca de terrenos configura o abandono dos poucos instrumentos que poderiam auxiliar a reverter essa lógica. Poderiam ser previstos parâmetros urbanísticos mais permissivos para a implantação de HIS de forma a viabilizar os empreendimentos, para tornar atrativo ao mercado imobiliário a produção das habitações de interesse social. Definir AEIS em áreas centrais (e obviamente não autorizar sua desmarcação) é estratégico para se conseguir áreas mais bem localizadas para produção de HIS a preço acessível. Tal medida pode ser mais efetiva do que a aplicação dos Instrumentos Compulsórios que tentam reter a especulação imobiliária, mas não direcionam a produção do mercado. A AEIS obviamente desvaloriza o terreno ao reduzir a expectativa de ganho por parte do proprietário (a famosa recuperação da mais valia...) mas é essa a intenção. Se for diferente, não adianta marcar, pois não altera a lógica e o Executivo deverá definir AEIS exatamente onde já se consegue acessar a terra para HIS, independente do instrumento, em locais distantes e sem infraestrutura. Permanecendo o dispositivo na forma proposta, as AEIS serão trocadas por áreas onde já estão sendo produzidos MCMV e que não eram AEIS.

O Art. 178, parágrafo único, autoriza a exclusão de ZEIS de áreas anteriormente ocupadas, mediante acordo entre moradores e proprietários e aprovação do CMH e do Compur. Isso desvirtua o instrumento, que visa a garantir a não expulsão da população de baixa renda de vilas e de favelas, principalmente as bem localizadas e que têm pressão de atuação do mercado. Não tem negociação que garanta a boa localização dessas famílias. Se quer vender, que seja para outro morador que atenda aos critérios da ZEIS, garantindo a premissa dessa categoria de estruturação urbana social. Essa permissão é estratégica, por exemplo, para viabilizar empreendimentos na Vila Santa Isabel (Av. Afonso Pena), nas bordas do Aglomerado Morro das Pedras (Raja Gabaglia), na borda do Santa Lúcia (Nossa Senhora do Carmo e Barragem), etc.

Art. 170/§6º: Autoriza que a proporcionalidade de unidades habitacionais segundo a classe de HIS (faixas de renda) possa ser definido no PRU. Sugere-se exigir porcentagem mínima para HIS 1 (que deveria ser “0 a 3”);

EXCLUIR o artigo 260 que veda a delimitação de AEIS-1 nas ADES Mangabeiras, Belvedere, Belvedere III, São Bento, Santa Lúcia e Estoril. Acrescentar exceção nessas ADEs unifamiliares, autorizando o uso multifamiliar no caso de demarcação como AEIS-1 para viabilizar HIS e possibilitar a demarcação de AEIS-1.

No esteio do comentário anterior, a delimitação de áreas exclusivamente/ residenciais unifamiliares vai contra toda a política de acesso à cidade propagada no Projeto de Lei do Novo Plano Diretor. Ora, qual a razão de não se poder ter prédios residenciais multifamiliares de poucos pavimentos e gabarito restrito em locais como o Mangabeiras, em que as casas, na realidade, são erguidas em estruturas de edifícios? Se forem observados os parâmetros de proteção da Serra da Curral, qual o razão de se impedir o adensamento de áreas bem localizadas e dotadas de infraestrutura?

Ampliar o conceito da Política Municipal de Habitação para atendimento de população de baixa renda que reside ou TRABALHA no Município de Belo Horizonte (altera o artigo 152, incorporando na Política a pessoa que trabalha no município, não apenas a que reside, dando um caráter mais metropolitano à questão habitacional).

Não reconhecimento das Ocupações da Izidora e de outras ocupações urbanas mais recentes como áreas a serem regularizadas, haja em visto a ineficácia do Poder Público em reduzir o déficit habitacional, o direito constitucional à moradia e a exigência de cumprimento da função social da propriedade e da cidade expressos na Estatuto da Cidade.


Operações Urbanas Consorciadas

Apesar de nenhuma das Operações Urbanas Consorciadas previstas no Plano Diretor vigente ter sido já definitivamente estruturada (como a OUC ACLO, ainda não aprovada em função de controvérsias técnicas e legais, contestações da sociedade civil, não observância aos ritos democráticos, inviabilidade econômica etc.) o Projeto de Lei 1749/15 continua destinando imensa parcela do território do município para Operações Urbanas Consorciadas, para muitas das quais não há previsão de estudo e de implantação no curto ou médio prazo. Ademais as controvérsias associadas ao próprio instrumentos (cujos resultados a nível nacional têm sido avaliados como contrários aos objetivos e princípios de reforma urbana democrática), não há demanda imobiliária que sustente tal quantidade de áreas demarcadas como Operações Urbanas Consorciadas. Ainda, o referido Projeto de Lei deveria garantir a destinação de porcentagem mínima de 25% dos recursos arrecadados na OUC para programas habitacionais de interesse social para população de baixa renda residente na área, e garantir - e não apenas priorizar - o atendimento das famílias moradoras que possam ser realocadas em função das obras. Áreas definidas como ZEIS e como AEIS deveriam ser bloqueadas à quaisquer possibilidades de flexibilização urbanística por parte de OUCs, assim como há necessidade de maior controle social no processo de construção da OUC.

O art. 23, §5º, afronta a definição de Operação Urbana Consorciada estabelecida no art. 36 do Estatuto da Cidade ao permitir contrapartida em terreno fora da área da operação. Caso o interessado vá doar terreno como contrapartida, a área deverá ser dentro dos limites da OUC. Recomenda-se, ainda, que a lei defina que essas áreas sejam destinadas à produção de Habitação de Interesse Social, de forma a garantir a diversidade social e de usos na cidade.

O art. 24 traz embutida a implantação de Parceria Público-Privada de forma velada, permitindo aos executores das obras a remuneração pela concessão para exploração econômica do serviço implantado.


Outorga Onerosa do Direito de Construir

A destinação dos recursos provenientes da outorga onerosa do direito de construir vinculada a terrenos incluídos em áreas de centralidades ou em áreas de grandes equipamentos a um Fundo de Desenvolvimento Urbano das Centralidades - FC (Art. 18 PL 1749/15) desvia recursos que deveriam ser destinados exclusivamente ao Fundo Municipal de Habitação Popular (FMHP), como previsto hoje no Plano Diretor vigente (art. 74-L da Lei Municipal 7.165/96). Desses recursos, apenas 25% deverão ser destinados à implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social (EHIS) nas centralidades ou em sua vizinhança imediata, os demais recursos podendo ser dispendidos em obras de qualificação urbana. Perde-se, com isso, parte do potencial redistributivo da outorga onerosa do direito de construir, que consiste em arrecadar recursos nas áreas mais valorizadas e dinâmicas do município (coincidentes com as áreas de centralidades intermediárias e regionais) e investi-los em prioridades sociais mais prementes (como em habitação). O PL 1749/15 tampouco garante que os recursos arrecadados nas centralidades mais dinâmicas sejam redistribuídos para as centralidades locais mais periféricas, nem especifica o que se entende por “vizinhança imediata” quanto à localização dos EHIS construídos com recursos da outorga. O texto é vago sobre como serão geridos os recursos do FC e sobre a composição do Grupo Gestor. Corre-se o risco de criar estruturas similares à de Operações Urbanas, dotadas de recursos próprios e de poder decisório sobre a estruturação urbana das centralidades, com frágil controle social.


Operação Urbana Simplificada e Concessão Urbanística

A aplicação do instrumento Operação Urbana Simplificada, não previsto no Estatuto da Cidade, tem tido resultados danosos à cidade e ao bem-estar da população, por permitir que a lei de uso e ocupação do solo seja negociada discricionariamente e flexibilizada para viabilização de projetos de interesse particular com contrapartidas públicas insuficientes ou questionáveis, não alinhados aos objetivos e diretrizes de planejamento urbano do município, e parco controle social. Sugere-se a sua retirada do Plano Diretor (ou pelos menos que observe os mesmos ritos e procedimentos de aprovação das Operações Urbanas Consorciadas: audiências públicas, aprovação pelo Compur etc...).

Tem-se, ainda, que o art. 28, §1º, trata de hipótese de dispensa de contrapartida da OUS, quando o objetivo for a implantação de empreendimento público, considerando tanto o interesse coletivo a ele associado quanto a necessidade de desoneração das obras públicas. Assim, fica garantida a isenção da prestação de contrapartida em função dos benefícios previstos na operação, resguardada a implantação do empreendimento de forma a qualificar a vizinhança e absorver os impactos dele decorrentes. Entende-se que o dispositivo é vago, não havendo garantias de se atender ao interesse coletivo, já que nas OUS não há controle social, ou seja, quem define o interesse coletivo a ser atendido e a possibilidade de isenção de contrapartida é exclusivamente o Executivo e o particular que propôs a OUS.

O instrumento da Concessão Urbanística, também bastante controverso e de interesse público questionável, está previsto no PL 1749/15 sem as necessárias ressalvas. Recomenda-se a sua retirada do Plano Diretor, ou que pelo menos estejam previstos a necessidade de controle social (audiências públicas, aprovação no Compur etc.), e a não possibilidade de flexibilização de parâmetros urbanísticos (prerrogativa da Operação Urbana Consorciada), na forma estabelecida no art. 38, § 3º.


OUS ISIDORO: apesar da OUS não estar prevista no PL 1749/15, a ADE do Isidoro está. Sugere-se, portanto, inserir na ADE dispositivo que garanta a permanência das ocupações existentes na área, que devem ser respeitadas e incorporadas no processo de parcelamento da área, por exemplo. Também devem estar previstas exigências de priorização da implantação de equipamentos urbanos e comunitários como contrapartida de empreendimento, e a proibição de contrapartida em vias, como previsto na Operação Urbana.

Adensamento, diversificação e paisagem urbana

Há clara discrepância nos critérios de exigências de fachada ativa para empreendimentos novos. As fachadas ativas são fator-incentivo para desconto na OODC em empreendimentos privados e obrigatórias na HIS em centralidade, como estabelecido no Anexo XV. Por que elas são obrigatórias nas centralidades apenas em HIS?

O Projeto de Lei visa a evitar o planejamento lote a lote, estimulando a renovação urbana via a possibilidade de se ajuntar lotes para empreendimentos maiores (que, de acordo com o Executivo, é mais benéfico para a cidade, enquadrando-se nos conceitos de cidade compacta). Ocorre que não há parâmetros que garantam a densidade demográfica existente anteriormente ou, inclusive, o aumento da densidade demográfica, visto que, historicamente, a unificação de lotes para empreendimentos no município só tem gerado edificações de menor densidade populacional (e maior densidade construtiva). Sugere-se que haja controle ou parâmetros que, em empreendimentos que unifiquem lotes, seja garantida a densidade populacional condizente com a infraestrutura instalada de forma que não fique ociosa ou sub aproveitada. Neste sentido, e considerando os princípios de planejamento urbano empregados na concepção do Plano Diretor, não se vê dispositivo que restrinja ou proíba a implantação de áreas de lazer em edifícios-enclaves (ou cobrar outorga pela implantação dessas áreas, cuja concentração em espaços exclusivamente privados é deletéria para a vitalidade do espaço público da cidade). A permanência e o incentivo a implantação de empreendimentos com tais características afronta as diretrizes do Projeto de Lei estabelecidas no art. 3º, VIII.

Outra questão não tratada no Projeto de Lei é a adequação da cidade existente às diretrizes da nova proposta. Como exemplo, por que não permitir que edificações existentes possam alterar seus usos de forma a atender as diretrizes de integração e de descentralização da cidade? Propõe-se, dessa forma, a possibilidade de substituição de garagens existentes por novos usos residenciais e não residenciais sem gerar acréscimo de coeficiente, o que irá diminuir a oferta de vagas para veículos privados e possibilitar o aumento de unidades residenciais e não residenciais no município.

Exclusão dos dispositivos que permitem (i) a aprovação de edifícios-garagem, com coeficiente 5,0 (Anexo XV, Tabela XV.18, Tabela XV.19, Tabela XV.20) e (ii) a construção de edifícios-garagem de forma não onerosa se voltados para a habitações de interesse social nas centralidades. Sugere-se que os edifícios-garagem só possam ser acoplados a estações de transporte coletivo.

Sugere-se, portanto, NÃO autorizar a superação do Coeficiente de Aproveitamento de forma gratuita para edifícios garagem; NÃO autorizar o Coeficiente de Aproveitamento de 5,0 para edifícios garagem, devendo ser limitado ao Coeficiente da Categoria de Estrutura Urbana ou Categoria Complementar em que o edifício se insere. Se for mantida a proposta, deve ser incorporada a condição aprovada na Conferência (Proposta HAB.23 do Eixo Habitação) que condiciona a outorga não onerosa para edifícios garagem à sua associação com HIS (faixa de 0 a 3 salários mínimos), utilizando no mínimo 40% do coeficiente de aproveitamento adotado no empreendimento. Essa proposta é essencial caso se mantenha a outorga não onerosa para estacionamento, pois minimiza o impacto do recurso da outorga que deixa de ir para o Fundo Municipal de Habitação nesse caso. (Anexo XV – Parâmetros Urbanísticos).

Sugere-se que o parâmetro de vagas de estacionamento por edificação seja o de número máximo de vagas por empreendimento e não pelo número mínimo de vagas. Se o Plano Diretor procura estimular o uso do transporte público, reduzindo as áreas de vagas de veículos privados, parece coerente inverter a lógica do parâmetro urbanístico de vagas de garagem para um número máximo de vagas por edificação ao invés de um número mínimo.

O art. 8º, §3º do PL 1749/15, estabelece as hipóteses em que o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não serão aplicados. Deve-se revogar o iniciso III que dispõe sobre a possibilidade de glebas que não possuem acesso por sistema de circulação implantado serem imunes ao instrumentos compulsórios. Ora, a primeira questão que se coloca é que uma gleba não utilizada deve ser objeto de aplicação do instrumento de parcelamento do solo urbano, em que o proprietário possui a obrigação de implantar o sistema viário, nos termos da Lei Federal 6.766/79. Além disso, caso seja constatado pelo Executivo a necessidade de implantação de sistema viário, obrigação do proprietário do lote ao se realizar o parcelamento do solo, todas as glebas que integram o sistema viário a ser implantado deverão ser notificadas, otimizando-se, assim a implantação da infraestrutura e a continuidade da malha viária. Aparentemente, há razões para inclusão do dispositivo, que, a nosso ver, visa a impedir a aplicação dos instrumentos compulsórios na área do Isidoro.


Licenciamento de parcelamento e ocupação do solo

O art. 386, §3º, prevê a possibilidade de suspensão do licenciamento de parcelamento do solo e de ocupação do solo quando houver encaminhamento à Câmara Municipal de projeto de lei relativo à revisão da legislação municipal elaborado a partir das decisões da Conferência Municipal de Políticas Urbanas. Aparentemente a inclusão do dispositivo é louvável, não fosse pela expressão “é facultado ao Executivo”. Se o que se pretende é evitar a especulação em cima de dispositivos urbanísticos que serão alterados, a suspensão do licenciamento não dever ser facultativa, mas obrigatória. Torná-la faculdade do Executivo é garantir que nunca haverá a suspensão do licenciamento. Dispositivo análogo, de efeito similar, existe no Estatuto da Cidade, que prevê a nulidade das licenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em desacordo com o plano de Operação Urbana Consorciada, a partir da aprovação da lei específica que institui a Operação Urbana (art. 33, §2º, da Lei Federal 10.257/01). Sugere-se, portanto, a alteração do dispositivo para que a suspensão do licenciamento de parcelamento e de ocupação do solo seja obrigatória.

Técnica Legislativa

 Nota-se a utilização de termos genéricos em alguns dispositivos como “preferencialmente” e “prioritariamente”, o que, ao final, acaba não garantido a implantação dos objetivos estabelecidos no Plano Diretor. Além disso, a inclusão de dispositivos que não geram obrigação, acabam permitindo o não atendimento às obrigações legais. Pode-se argumentar que a necessidade de inclusão de termos genéricos como “preferencialmente” e “prioritariamente” decorre da necessidade de atendimento a possíveis singularidades, mas entende-se que a lei não deve ser elaborada para se garantir exceções. Além disso, caso seja impossível atender ao dispositivo, a administração pública pode se valer dos princípios da administração pública para encontrar solução razoável para a aplicação da legislação. Apresenta-se alguns exemplos em que, mais do que garantir singularidades, vislumbra-se a possibilidade perversa de não aplicação da lei: 
 (i) Art. 142 / §1º (preferencialmente em leito natural);
 (ii) Art. 165 / III (remoção preferencialmente ao local de origem – deveria ser garantida se assim quiser o morador);
 (iii) Art. 379 / III (tratamento do espaço público preferencialmente em compatibilidade com a vocação local);
 (iv) Art. 364 (recursos do Fundo de Transporte Coletivo destinados prioritariamente a subsidiar o serviço de transporte coletivo no Município).