Urbanismo Biopolítico e produção do comum pelos coletivos contemporâneos

De Urbanismo Biopolítico
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"Nesses movimentos multitudinários globais, a política é uma ontologia plural: o pluralismo das lutas, que emergem das tradições divergentes e expressam objetivos diferentes, combina-se com a lógica cooperativa e federativa da assembleia para criar um modelo de democracia constituinte, em que essas diferenças são capazes de interagir e se conectar umas com as outras, formando uma composição compartilhada. Esta pluralidade de movimentos contra o capital global, contra a ditadura das finanças, contra os biopoderes que destroem o planeta, surgem em busca do acesso livre e compartilhado do comum e de sua autogestão; discutir, aprender, ensinar, estudar, comunicar-se e participar das ações: essas são algumas das formas de ativismo, constituindo o eixo central da produção de subjetividade numa ontologia plural da política que é colocada em prática por meio do encontro e da composição de subjetividades militantes.

É no território metropolitano que estas lutas multitudinárias geram um contorno plural, singular e coletivo de forma espacial, ganhando visibilidade e forçando o Estado a repensar as formas burocráticas e pouco participativas que vêm imperando na construção dos planos via parcerias público-privadas. Ou seja, a produção do comum é o que já acontece no trabalho biopolítico imaterial do cotidiano, a metrópole é onde esta biopotência ativa da multidão ganha intensidade e dimensão, e portanto, a constituição do comum nos processos insurgentes contra o Estado-capital fazem crescer novas formas de vida que vão tornando-se desejo de uma ampla gama de jovens e minorias até então excluídas dos processos democráticos, tanto no Brasil quanto no mundo. Se desde Seattle, mas com muita intensidade, desde a crise econômica de 2008 nos EUA e na Europa, vivemos uma crescente revolta global conectada contra os processos de expropriação do comum em diversos níveis, experimentamos nestes últimos anos na Espanha (via Porta do Sol em 2011), em Istanbul (Parque Gezi) passando pela revolta em Gamonal (2013 na Espanha), pelo movimento Fica Ficus em BH (2013), pelo Ocupe Estelita em Recife (desde 2013), pelo Parque Cocó em Fortaleza (2013) ou pelo Parque Augusta em São Paulo (desde 2013), uma proliferação de lutas assumidas por uma multidão de singularidades e grupos artísticos, de ativistas, de arquitetos e urbanistas, advogados, moradores locais e vizinhos, pop de rua e comerciantes, muitos interessados em recuperar o debate político sobre a cidade e a construção do ambiente que pertence às suas vidas cotidianas. A construção da subjetividade via mecanismos oficiais do poder imperial (grandes mídias) já não convence mais a sociedade com tanta facilidade, e assistimos a uma ampliação dos campos de disputa pela construção do comum, seja nas ruas, seja nas redes. Não se trata somente do território verde dos parques e praças, mas também da exigência de função social para a propriedade e o direito de ir e vir via tarifa zero nos transportes, direito de morar. Pode-se detectar essa demanda nos movimentos pró habitação; a força política dos movimentos pela mobilidade; a força estética e afetiva dos movimentos de ocupas culturais. Sabemos que este é um movimento muito maior que possui relações com o fim do esplendor do capitalismo neoliberal e a chegada de um novo mundo biopotente, mundo no qual o poder sobre a vida é substituído pelo poder da vida. No caso da produção biopolítica na arquitetura e no urbanismo, vemos um movimento dentro do campo produtivo no qual coletivos que buscam a produção do comum urbano, principalmente na Espanha a partir de 2008.

Segundo Domenico de Siena do UrbanoHumano (2012), as estruturas de tralho horizontais e abertas são um dos fatores que definem este movimento emergente. Frente ao modelo tradicional baseado em um estúdio formado por um ou mais sócios ou autores e colaboradores, que somente estão organizados entorno a uma estrutura de trabalho piramidal, estamos assistindo à criação de um modelo muito mais heterogêneo, caracterizado por sua horizontalidade.

Encontramos nesta rede de coletivos de arquitetura e urbanismo espanhóis (mas também iberoamericanos) um conjunto de características multitudinárias que englobam também tecnopolíticas muito diferentes das envolvidas nos modos de produção da arquitetura espetacular ou neoliberal realizada vastamente na Espanha na década de 90 e na primeira década do Século XXI. Estes coletivos desenvolvem métodos de trabalho e compartilhamento de informação que são super dinâmicos e interativos entre si e também com quem frequenta as redes. Utilizam os blogs e fanpages como ferramentas de comunicação em uma ação tecnopolítica que fura os trâmites das revistas oficiais. Além disto interagem cotidianamente com comunidades nas quais estão realizando projetos coletivamente. Há uma inteligência coletiva e colaborativa que é bastante característica dos processos multitudinários apontados por Hardt e Negri. Há também uma lógica de urbanismo tático, que foge à lógica da produção estratégica capitalista. Criam modelos alternativos de trabalho e democratizam debates que envolvem a produção coletiva do espaço nas metrópoles." [1]




Referências

  1. (RENA, 2014)