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Definição de Urbanismo biopolítico
Urbanismo Biopolítico é um mapeamento que envolve o Urbanismo Estratégico e o Urbanismo Tático (em territórios em disputa) na Iberoamérica. A ideia é realizar diversos workshops e pesquisas envolvendo as principais regiões latinoamericanas rastreando o urbanismo neoliberal produzido pelo Estado-capital e cartografando o urbanismo das resistências biopotentes.
Urbanismo Estratégico seria o urbanismo: 1.planejado pelo Estado-capital; 2.ligado à ideia de cidade-empresa; 3. que utiliza da lógica de gestão e governança neoliberais criando projetos via parcerias público-privadas (operações urbanas e outros instrumentos urbanísticos que associam Estado e mercado); 4. possui um discurso de participação cidadã apenas para legitimar processos verticais nos quais a sociedade participa, mas não decide; 5. adota características que financeirizam o espaço; 6. proporciona projetos e planos que atuam expropriando o comum (material ou imaterial) via controle espacial por parte do Estado-capital, via de regra gentrificando territórios.
Urbanismo Tático seria o urbanismo que: 1.agrega inteligência coletiva em processos colaborativos de intervenção espacial; 2. produz processos que se organizam horizontalidade de forma multitudinária (reunindo múltiplas pautas, agenciadas por sujeitos políticos diversos que possuem modos de fazer diferentes e que se interagem hibridando processos); 3. em geral atuam para garantir a gestão compartilhada entre as pessoas e desenvolvem mais autonomia aos cidadãos envolvidos, adotam o que podemos chamar de urbanismo p2p e botton-up; 4. configura quase sempre uma articulação em rede; 5. utiliza das tecnopolíticas (high e low tech) para comunicar e criar processos; 6. incentivam lógicas de participação-decisão; 7. são como micropolíticas e resistências positivas ao urbanismo neoliberal, resignificando o espaço público para espaço comum.
Sobre Urbanismo Biopolítico: capitalismo cognitivo, neoliberalismo e biopolítica na metrópole contemporânea
1. Trecho do projeto de Estágio Pós-doutoral da pesquisadora Natacha RENA: "As políticas públicas neoliberais, impostas pelo Estado-capital sobre o território urbano, configuram evidências claras de como a cidade vem se tornando um palco de disputa territorial. Se a fábrica configurava o campo de exploração do trabalho até os anos 70, atualmente o Estado-capital extrai a mais-valia em todo o espaço via empreendimentos rentistas. Em tempos de capitalismo cognitivo, no qual a tendência da produção cotidiana no mercado vem construindo redes de trabalho voltadas para setores criativos e sociais, as biopolíticas implementadas vão consolidando uma dinâmica de produção do espaço complexa e realizando processos de exclusão social em diversos níveis. Compreender estas as novas estratégias de políticas territoriais é fundamental para mapearmos os campos de luta mais importantes em nossos países e em nossas metrópoles. Compreender como estão imbricadas as estratégias de expansão capitalista pelo território utilizando a lógica do planejamento urbano via Parcerias Público Privadas e entender o papel da arquitetura como mola propulsora deste avanço corporativo por todo o espaço urbano, pode nos fornecer um leque de informação para o avanço do debate entorno de novos processos constituintes fundamentais para a consolidação da democracia real e para empoderamento cidadão no contexto da construção coletiva e autônoma das cidades. O que está claramente em disputa, a partir dos movimentos multitudinários detonados desde 1999 em Seatle, que insurgiram na Espanha em 2011 com o 15M e que ganharam força no Brasil a partir de junho de 2013, é, principalmente, o urbano. Urbano aqui entendido como um amplo platô que envolve as ações no espaço-tempo (públicos, privados, comuns) dissolvendo a noção dicotômica cidade x campo, rua x rede, casa x trabalho. Segundo Hardt e Negri, num texto intitulado Metrópoles (Livro: Commonwealth), a metrópole é para a multidão o que a fábrica era para a classe operária industrial, o que poderia nos induzir a pensar nas metrópoles como territórios conectados nos quais as ações biopolíticas e de controle dos corpos e das espécies se dão com maior intensidade. Ao mesmo tempo, poderíamos pensa-las como o lugar no qual a biopolítica das resistências primeiras são também potentes, possibilitando encontros que, apesar de todas as estratégias para evita-los, se dão com maior ênfase em processos constantes de contaminação. A metrópole, para Hardt & Negri,
“poderia ser considerada em primeiro lugar o esqueleto e a espinha dorsal da multidão, ou seja, o entorno urbano que sustenta sua atividade e o entorno social constitui um lugar e um potente repertório de habilidades no terreno dos afetos, das relações sociais, dos costumes, dos desejos, dos conhecimentos e dos circuitos culturais (...) a metrópole é a sede da produção biopolítica porque é o espaço do comum, das pessoas que vivem juntas, compartindo recursos, comunicando, intercambiando bens e ideias.” (HARDT; NEGRI, 2009: p.255-256)
Mas sabemos que, a metrópole é também o lugar, por excelência, da expropriação deste comum produzido no encontro e na criação das novas formas de vida. Cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte são exemplos de cidades globais eleitas para sediar grandes eventos e para sofrer transformações territoriais via projetos urbanísticos neoliberais em grande escala, e têm se tornado, ao mesmo tempo, celeiro de lutas urbanas e de resistências radicais, conformando sujeitos insurgentes multitudinários que vêm se expandindo e contaminando, não somente os grupos políticos oficiais e não oficiais já existentes, mas trazendo pra dentro das lutas artistas, pensadores, professores universitários, grupos organizados e desorganizados das favelas, advogados. Também podemos observar que, em estágio avançado de expropriação do comum, cidades espanholas como Madrid e Barcelona, após longo período de expansão do urbanismo neoliberal e da edificação de inúmeros grandes projetos de infraestrutura, estradas, edifícios culturais, aeroportos, habitação em grande escala, hoje assistem ao abandono de diversos equipamentos públicos construídos como a ponta de parcerias público privadas que iriam reformular grandes áreas urbanas e endividar profundamente o país. Mas é neste estágio avançado do neoliberalismo urbano, que temos também grandes revoltas em massa, ocupas que se expandiram pelas metrópoles e até mesmo organizações sociais que se transformaram em partidos políticos para disputar o poder com o Estado-capital que provocou uma enorme crise econômica, política e social no país. É na metrópole que estes movimentos insurgentes se organizam, seja por novos modelos de representação político-social, seja por novos modos de constituição do espaço público. O 15M auxiliou na organização também de muitos coletivos de arquitetura e urbanismo e potencializou as ações tecnopolíticas em rede destes que atualmente estão envolvidos na construção de outros modos de pensar a cidade, modos multitudinários, mais colaborativos, mais horizontais, mais democráticos. O sistema capitalista global contemporâneo, que conecta indissociadamente Estados e empresas, pode ser também denominado de Império ou neoliberalismo. Diferente do capitalismo fordista, no qual a mais-valia era prioritariamente explorada via a força de trabalho nas fábricas, atualmente se dá via capital em expansão dirigindo a exploração para todo o território metropolitano, dentro e fora das fábricas. Além disto, o tempo do trabalho envolvido na produção do capitalismo industrial referia-se ao tempo da jornada oficial das leis trabalhistas. Atualmente, o tempo de expropriação do capitalismo pós-fordista, imperial, neoliberal, ocupa todo o tempo de nossas vidas. Além de vermos configurar (via Estado-capital) a construção de sujeitos dóceis (próprios da sociedade disciplinar em que o controle incidia – e ainda incide – diretamente sobre os corpos), estamos imersos em práticas de controle mais sutis e flexíveis, uma tomada da subjetividade que nos torna controlados biopoliticamente. Segundo David Harvey,
“o neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro (...) o neoliberalismo se tornou hegemônico como modalidade de discurso e passou a afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às maneiras cotidianas de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o mundo. O processo de neoliberalização, no entanto, envolveu muita destruição criativa, não somente dos antigos poderes e estruturas institucionais (chegando mesmo a abalar as formas tradicionais de soberania do Estado), mas também das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção do bem-estar social, das combinações de tecnologias, dos modos de vida e de pensamento, das atividades reprodutivas, das formas de ligação à terra e dos hábitos do coração.” (HARVEY, 2012, p:12-13)
Para pensarmos o urbanismo e a produção do espaço no sistema neoliberal imperial, é preciso estarmos atentos à tomada do Estado pelo capital, que agora atua de dentro dos processos políticos institucionais e por meio de mecanismos de gestão pública, gerando políticas e instrumentos urbanísticos que fazem parte, muitas vezes, como é o caso do Brasil, do próprio Estatuto da Cidade . Atualmente, um dos exemplos mais claros disto, é o instrumento denominado Operação Urbana Consorciada , uma espécie de Parceria Público Privada que determina as regras do jogo para o uso e a construção do espaço, gerando territórios determinados por manifestações de interesse do próprio mercado, conformando territórios pré-definidos para investimentos e projetos que gerem mais-valia para o Estado através de títulos . Visivelmente uma passagem das formas de exploração da mais-valia que se dava na fábrica em tempos de capitalismo fordista, e agora se dá no território urbano gerando lucro via renda, dentro da lógica do capitalismo financeiro pós-fordista ou rentista. Do ponto de vista urbanístico, estas políticas públicas se dão em diversos níveis e, mesmo quando não há o uso explícito destes instrumentos neoliberalizantes, a lógica das gestões das cidades contemporâneas, tanto no mundo quanto no Brasil, seja nos governos de esquerda, seja nos governos de direita, é a lógica da cidade-empresa, da especulação imobiliária, da gentrificação (enobrecimento e expulsão dos pobres que não conseguem viver mais nas áreas valorizadas), das políticas de revitalização (substituindo vidas pobres por vidas ricas e turismo), das intervenções utilizando equipamentos culturais (museus, bibliotecas, salas de música e afins), do planejamento estratégico que faz surgir novas centralidades urbanas para que o capital se expanda para novos territórios e possa fazer circular recursos dentro do sistema empreiteiras-bancos. Estas lógicas encabeçam o eixo da gentrificação de grandes regiões, principalmente nos centros das cidades que já detêm meios de transporte e serviços abundantes. E, perversamente, em muitos momentos, é utilizando o discurso da arte, da cultura, da melhoria do espaço, do embelezamento e da segurança que o Estado-capital com seu biopoder (poder sobre a vida) avança por toda a cidade expropriando os bens comuns já existentes ou em processo de formação. Segundo Pelbart (2011), o biopoder está ligado com a mudança fundamental na relação entre poder e vida. Na concepção de Foucault, o biopoder se interessa pela vida, pela produção, reprodução, controle e ordenamento de forças. A ele competem duas estratégias principais: a disciplina (que adestra o corpo e dociliza o indivíduo para otimizar suas forças) e a biopolítica (que entende o homem enquanto espécie e tenta gerir sua vida coletivamente). Nesse sentido, a vida passa a ser controlada de maneira integral, a partir da captura pelo poder, do próprio desejo do que dela se quer e se espera, e assim o conceito de biopoder se expande para o conceito de biopolítica. Há uma diluição dos limites entre o que somos e o que nos é imposto, à medida que o poder atinge níveis subjetivos passando a atuar na própria máquina cognitiva que define o que pensamos e queremos. Segundo Pelbart, “nunca o poder chegou tão longe e tão fundo no cerne da subjetividade e da própria vida, como nessa modalidade contemporânea do biopoder” (PELBART, 2003, p:58), que podemos chamar de biopolítica." (RENA, 2014)
Sobre Tática e Estratégia em Certeau
1. Trecho do artigo: RENA, Natacha. Cidade Inventada: táticas do cotidiano constituindo uma multidão de inventos. Belo Horizonte, 2002.
"Táticas, que sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se finca no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo e é determinada pela ausência de poder, diferente da estratégia, que é organizada pelo postulado de um poder (CERTEAU, 2003, p.101). Se, segundo Certeau, a estratégia postula um lugar como próprio e constrói uma base para gestão de suas relações com a exterioridade a tática só tem por lugar o do outro. Ela insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Não dispõe de base para capitalizar os seus proveitos. Pelo fato de seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigília à espera da oportunidade.
Na tática a arte de dar o golpe é o senso da ocasião. A tática é a arte do fraco e este pode tirar partido de forças que lhe são estranhas. Espera de momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos. As invenções táticas (edifícios, utensílios, roupas, móveis, sinalizações, etc) produzidas pelos habitantes das favelas, das ruas, dos locais desprovidos de status financeiro que possibilitam a compra de objetos de design, são costumeiramente consideradas marginais pelas autoridades do design e da arquitetura, e estão, quase sempre, excluídas das referências oficiais da cultura de um lugar. As engenhosidades, muitas vezes chamadas de gambiarras, construídas a partir da necessidade, não são planejadas, nem pesquisadas, nem aprovadas por normas, apenas desenvolveram táticas eficazes para sobrevivência numa situação onde a população é carente de recursos para adquirir produtos industrializados e novos, ou para construir casas projetadas e dentro das normas da cidade oficial.
Para Certeau, há no homem comum e anônimo um homem extremamente inventivo, considerado herói comum, caminhante inumerável que se difere dos nomes próprios, e produz num ambiente de cultura ordinária onde a ordem é exercida por uma arte de fazer. Há uma economia do dom, uma estética de lances, um estilo de invenções técnicas, uma ética da tenacidade. O autor parte do interesse, não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos bens, mas pelas operações de desvio dos produtos por uma prática inovadora dos seus usuários. Estas seriam maneiras ou modos de fazer diferentes que marcam socialmente o desvio operado em alguns produtos por uma prática, criações anônimas e perecíveis que surgem instantaneamente e não se capitalizam. Há nestas práticas uma inversão de perspectiva que desloca a atenção do consumo supostamente passivo dos produtos para a criação anônima que nasce da prática do desvio no uso destes." (RENA, 2001, s/p)
- (((complementar com texto coletivo)))
- Percurso histórico - planejamento e insurgência. (Thiago)
- Biopolítica - biopolítica neoliberal e biopotência. (Natacha)
- Planejamento x urbanismo
- Metrópole
- Centralidade - novas centralidades / centro
Mais infos da Plataforma: Mapa territorializado: https://urbanismobiopolitico.crowdmap.com Blog: www.urbanismobiopolítico.com