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De Urbanismo Biopolítico
Revisão de 16h46min de 2 de setembro de 2015 por Indisciplinado (discussão | contribs) (Capitalismo cognitivo, neoliberalismo e biopolítica na metrópole contemporânea)

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Definição de Urbanismo biopolítico

Urbanismo Biopolítico é um mapeamento que envolve o Urbanismo Estratégico e o Urbanismo Tático (em territórios em disputa) na Iberoamérica. A ideia é realizar diversos workshops e pesquisas envolvendo as principais regiões latinoamericanas rastreando o urbanismo neoliberal produzido pelo Estado-capital e cartografando o urbanismo das resistências biopotentes.

Urbanismo Estratégico seria o urbanismo: 1.planejado pelo Estado-capital; 2.ligado à ideia de cidade-empresa; 3. que utiliza da lógica de gestão e governança neoliberais criando projetos via parcerias público-privadas (operações urbanas e outros instrumentos urbanísticos que associam Estado e mercado); 4. possui um discurso de participação cidadã apenas para legitimar processos verticais nos quais a sociedade participa, mas não decide; 5. adota características que financeirizam o espaço; 6. proporciona projetos e planos que atuam expropriando o comum (material ou imaterial) via controle espacial por parte do Estado-capital, via de regra gentrificando territórios.

Urbanismo Tático seria o urbanismo que: 1.agrega inteligência coletiva em processos colaborativos de intervenção espacial; 2. produz processos que se organizam horizontalidade de forma multitudinária (reunindo múltiplas pautas, agenciadas por sujeitos políticos diversos que possuem modos de fazer diferentes e que se interagem hibridando processos); 3. em geral atuam para garantir a gestão compartilhada entre as pessoas e desenvolvem mais autonomia aos cidadãos envolvidos, adotam o que podemos chamar de urbanismo p2p e botton-up; 4. configura quase sempre uma articulação em rede; 5. utiliza das tecnopolíticas (high e low tech) para comunicar e criar processos; 6. incentivam lógicas de participação-decisão; 7. são como micropolíticas e resistências positivas ao urbanismo neoliberal, resignificando o espaço público para espaço comum.

Capitalismo cognitivo, neoliberalismo e biopolítica na metrópole contemporânea

1. Trecho do projeto de Estágio Pós-doutoral da pesquisadora Natacha RENA: "As políticas públicas neoliberais, impostas pelo Estado-capital sobre o território urbano, configuram evidências claras de como a cidade vem se tornando um palco de disputa territorial. Se a fábrica configurava o campo de exploração do trabalho até os anos 70, atualmente o Estado-capital extrai a mais-valia em todo o espaço via empreendimentos rentistas. Em tempos de capitalismo cognitivo, no qual a tendência da produção cotidiana no mercado vem construindo redes de trabalho voltadas para setores criativos e sociais, as biopolíticas implementadas vão consolidando uma dinâmica de produção do espaço complexa e realizando processos de exclusão social em diversos níveis. Compreender estas as novas estratégias de políticas territoriais é fundamental para mapearmos os campos de luta mais importantes em nossos países e em nossas metrópoles. Compreender como estão imbricadas as estratégias de expansão capitalista pelo território utilizando a lógica do planejamento urbano via Parcerias Público Privadas e entender o papel da arquitetura como mola propulsora deste avanço corporativo por todo o espaço urbano, pode nos fornecer um leque de informação para o avanço do debate entorno de novos processos constituintes fundamentais para a consolidação da democracia real e para empoderamento cidadão no contexto da construção coletiva e autônoma das cidades. O que está claramente em disputa, a partir dos movimentos multitudinários detonados desde 1999 em Seatle, que insurgiram na Espanha em 2011 com o 15M e que ganharam força no Brasil a partir de junho de 2013, é, principalmente, o urbano. Urbano aqui entendido como um amplo platô que envolve as ações no espaço-tempo (públicos, privados, comuns) dissolvendo a noção dicotômica cidade x campo, rua x rede, casa x trabalho. Segundo Hardt e Negri, num texto intitulado Metrópoles (Livro: Commonwealth), a metrópole é para a multidão o que a fábrica era para a classe operária industrial, o que poderia nos induzir a pensar nas metrópoles como territórios conectados nos quais as ações biopolíticas e de controle dos corpos e das espécies se dão com maior intensidade. Ao mesmo tempo, poderíamos pensa-las como o lugar no qual a biopolítica das resistências primeiras são também potentes, possibilitando encontros que, apesar de todas as estratégias para evita-los, se dão com maior ênfase em processos constantes de contaminação. A metrópole, para Hardt & Negri,

“poderia ser considerada em primeiro lugar o esqueleto e a espinha dorsal da multidão, ou seja, o entorno urbano que sustenta sua atividade e o entorno social constitui um lugar e um potente repertório de habilidades no terreno dos afetos, das relações sociais, dos costumes, dos desejos, dos conhecimentos e dos circuitos culturais (...) a metrópole é a sede da produção biopolítica porque é o espaço do comum, das pessoas que vivem juntas, compartindo recursos, comunicando, intercambiando bens e ideias.” (HARDT; NEGRI, 2009: p.255-256)

Mas sabemos que, a metrópole é também o lugar, por excelência, da expropriação deste comum produzido no encontro e na criação das novas formas de vida. Cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte são exemplos de cidades globais eleitas para sediar grandes eventos e para sofrer transformações territoriais via projetos urbanísticos neoliberais em grande escala, e têm se tornado, ao mesmo tempo, celeiro de lutas urbanas e de resistências radicais, conformando sujeitos insurgentes multitudinários que vêm se expandindo e contaminando, não somente os grupos políticos oficiais e não oficiais já existentes, mas trazendo pra dentro das lutas artistas, pensadores, professores universitários, grupos organizados e desorganizados das favelas, advogados. Também podemos observar que, em estágio avançado de expropriação do comum, cidades espanholas como Madrid e Barcelona, após longo período de expansão do urbanismo neoliberal e da edificação de inúmeros grandes projetos de infraestrutura, estradas, edifícios culturais, aeroportos, habitação em grande escala, hoje assistem ao abandono de diversos equipamentos públicos construídos como a ponta de parcerias público privadas que iriam reformular grandes áreas urbanas e endividar profundamente o país. Mas é neste estágio avançado do neoliberalismo urbano, que temos também grandes revoltas em massa, ocupas que se expandiram pelas metrópoles e até mesmo organizações sociais que se transformaram em partidos políticos para disputar o poder com o Estado-capital que provocou uma enorme crise econômica, política e social no país. É na metrópole que estes movimentos insurgentes se organizam, seja por novos modelos de representação político-social, seja por novos modos de constituição do espaço público. O 15M auxiliou na organização também de muitos coletivos de arquitetura e urbanismo e potencializou as ações tecnopolíticas em rede destes que atualmente estão envolvidos na construção de outros modos de pensar a cidade, modos multitudinários, mais colaborativos, mais horizontais, mais democráticos. O sistema capitalista global contemporâneo, que conecta indissociadamente Estados e empresas, pode ser também denominado de Império ou neoliberalismo. Diferente do capitalismo fordista, no qual a mais-valia era prioritariamente explorada via a força de trabalho nas fábricas, atualmente se dá via capital em expansão dirigindo a exploração para todo o território metropolitano, dentro e fora das fábricas. Além disto, o tempo do trabalho envolvido na produção do capitalismo industrial referia-se ao tempo da jornada oficial das leis trabalhistas. Atualmente, o tempo de expropriação do capitalismo pós-fordista, imperial, neoliberal, ocupa todo o tempo de nossas vidas. Além de vermos configurar (via Estado-capital) a construção de sujeitos dóceis (próprios da sociedade disciplinar em que o controle incidia – e ainda incide – diretamente sobre os corpos), estamos imersos em práticas de controle mais sutis e flexíveis, uma tomada da subjetividade que nos torna controlados biopoliticamente. Segundo David Harvey,

“o neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro (...) o neoliberalismo se tornou hegemônico como modalidade de discurso e passou a afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às maneiras cotidianas de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o mundo. O processo de neoliberalização, no entanto, envolveu muita destruição criativa, não somente dos antigos poderes e estruturas institucionais (chegando mesmo a abalar as formas tradicionais de soberania do Estado), mas também das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção do bem-estar social, das combinações de tecnologias, dos modos de vida e de pensamento, das atividades reprodutivas, das formas de ligação à terra e dos hábitos do coração.” (HARVEY, 2012, p:12-13)

Para pensarmos o urbanismo e a produção do espaço no sistema neoliberal imperial, é preciso estarmos atentos à tomada do Estado pelo capital, que agora atua de dentro dos processos políticos institucionais e por meio de mecanismos de gestão pública, gerando políticas e instrumentos urbanísticos que fazem parte, muitas vezes, como é o caso do Brasil, do próprio Estatuto da Cidade . Atualmente, um dos exemplos mais claros disto, é o instrumento denominado Operação Urbana Consorciada , uma espécie de Parceria Público Privada que determina as regras do jogo para o uso e a construção do espaço, gerando territórios determinados por manifestações de interesse do próprio mercado, conformando territórios pré-definidos para investimentos e projetos que gerem mais-valia para o Estado através de títulos . Visivelmente uma passagem das formas de exploração da mais-valia que se dava na fábrica em tempos de capitalismo fordista, e agora se dá no território urbano gerando lucro via renda, dentro da lógica do capitalismo financeiro pós-fordista ou rentista. Do ponto de vista urbanístico, estas políticas públicas se dão em diversos níveis e, mesmo quando não há o uso explícito destes instrumentos neoliberalizantes, a lógica das gestões das cidades contemporâneas, tanto no mundo quanto no Brasil, seja nos governos de esquerda, seja nos governos de direita, é a lógica da cidade-empresa, da especulação imobiliária, da gentrificação (enobrecimento e expulsão dos pobres que não conseguem viver mais nas áreas valorizadas), das políticas de revitalização (substituindo vidas pobres por vidas ricas e turismo), das intervenções utilizando equipamentos culturais (museus, bibliotecas, salas de música e afins), do planejamento estratégico que faz surgir novas centralidades urbanas para que o capital se expanda para novos territórios e possa fazer circular recursos dentro do sistema empreiteiras-bancos. Estas lógicas encabeçam o eixo da gentrificação de grandes regiões, principalmente nos centros das cidades que já detêm meios de transporte e serviços abundantes. E, perversamente, em muitos momentos, é utilizando o discurso da arte, da cultura, da melhoria do espaço, do embelezamento e da segurança que o Estado-capital com seu biopoder (poder sobre a vida) avança por toda a cidade expropriando os bens comuns já existentes ou em processo de formação. Segundo Pelbart (2011), o biopoder está ligado com a mudança fundamental na relação entre poder e vida. Na concepção de Foucault, o biopoder se interessa pela vida, pela produção, reprodução, controle e ordenamento de forças. A ele competem duas estratégias principais: a disciplina (que adestra o corpo e dociliza o indivíduo para otimizar suas forças) e a biopolítica (que entende o homem enquanto espécie e tenta gerir sua vida coletivamente). Nesse sentido, a vida passa a ser controlada de maneira integral, a partir da captura pelo poder, do próprio desejo do que dela se quer e se espera, e assim o conceito de biopoder se expande para o conceito de biopolítica. Há uma diluição dos limites entre o que somos e o que nos é imposto, à medida que o poder atinge níveis subjetivos passando a atuar na própria máquina cognitiva que define o que pensamos e queremos. Segundo Pelbart, “nunca o poder chegou tão longe e tão fundo no cerne da subjetividade e da própria vida, como nessa modalidade contemporânea do biopoder” (PELBART, 2003, p:58), que podemos chamar de biopolítica." (RENA, 2014)


O comum como projeto político constituinte da multidão

"Esse contexto se deve ao fato do poder Imperial abarcar tudo aquilo que representaria o comum numa estratégia biopolítica, ou seja, expropriando as linguagens, símbolos, imagens, enfim, todos os meios compartilhados pelos indivíduos, através dos quais estes tornam-se capazes de se comunicar e de, assim, produzir algo em sociedade. Em tempos de capitalismo cognitivo, criativo e imaterial, a produção do comum baseia-se na colaboração e nos processos criativos e afetivos que incorporam todos os níveis da vida. Todo o tempo é produtivo e o comum que compartilhamos serve de base para a produção futura, numa relação expansiva. Para Hardt e Negri, atualmente essa relação entre a produção, a comunicação e o comum é a chave para entender toda atividade social e econômica própria do capitalismo pós-fordista. (HARDT & NEGRI, 2005, p:256-257) A ampliação desta acepção de biopolítica adotada por Hardt e Negri situam o conceito como algo que acontece plenamente na sociedade de controle, na qual o poder subsume toda a sociedade, suas relações sociais e penetra nas consciências e corpos. Mas a consequência disso é a explosão dos elementos previamente coordenados e mediados na qual as resistências deixam de ser marginais e tornam-se ativas no centro de uma sociedade que se abre em redes (HARDT & NEGRI, 2001, p:44). Isso significa que o poder desterritorializante que subsume toda sociedade ao capital, ao invés de unificar tudo, cria paradoxalmente um meio de pluralidade e singularização não domesticáveis, incontroláveis e incapturáveis. A multidão que se formou, contaminando e hibridando diversas pautas libertárias e progressistas, vem crescendo e tomando novas formas a cada dia. Para Pelbart (2003) ou para Hardt e Negri (2001, 2005, 2009, 2014), esta inversão de sentido do termo foucaultiano “biopolítica”, pode deixar de ser o “poder sobre a vida”, para tornar-se o “poder da vida”, o que poderíamos chamar também de biopolítica da multidão ou, segundo Pelbart (2003), biopotência. Assim, dentro deste sistema global enredado pelo Estado-capital, no qual nos deparamos com o Império, não deveria, de modo algum, segundo os Hardt e Negri (2001), nos deixar saudosos das antigas formas de dominação, porque esta transição para o Império e seus processos de globalização e mundialização conexionista, nos oferece novas possibilidades de redes insurgentes que possibilitam a ampliação das lutas pela libertação. Estas singularidades globais que vão surgindo como resistência ao neoliberalismo vêm tecendo uma nova forma de luta que envolve o que chamam de multidão. Para os pensadores estas forças criadoras da multidão que sustentam o Império são capazes também de constituir “um Contra-império, uma organização política alternativa de fluxos e intercâmbios globais. Os esforços para contestar e subverter o Império, e para construir uma alternativa real, terão lugar no próprio terreno imperial.” (HARDT & NEGRI, 2001, p:12-15) Os autores afirmam que é na metrópole que as novas configurações de resistência se configuram com maior intensidade, e em tempos de produção biopolítica nas quais as forças produtivas que movem o capitalismo pós-fordista, trabalhando principalmente com ideias, afetos e comunicação, não estão mais simplesmente concentradas nas fábricas, mas sim espalhadas por terreno social urbano, ou seja, por toda a metrópole, lugar privilegiado onde as múltiplas forças residem e interagem (HARDT & NEGRI, 2014). Em todo o mundo, mais visivelmente em alguns países que receberam esta grande investida do capitalismo Imperial como Espanha e Grécia, hoje podemos assistir ao estrago social e econômico destas políticas, que nada mais são do que formas de endividamento do Estado e do cidadão . Com a promessa de desenvolvimento, obras de infraestrutura, projetos para megaeventos, construção massiva de habitação, criaram com eficácia um exército humano endividado e quebraram os caixas do Estado. Estes movimentos insurgentes em todo o mundo, como o que ocorreu a partir do Parque Gezi na Turquia contra a construção de um shopping center em lugar de uma praça pública faz surgir uma multidão enfurecida que percebe, de maneira muito evidente, os mecanismos Imperiais do Estado-mercado que vem expropriando direitos garantidos constitucionalmente e transferindo os bens comuns e a produção do comum para o universo do privado. Mas estas insurgências já prefiguravam uma radicalização popular contra este Estado-capital globalizado desde Seattle, e alguns autores como Hardt e Negri, Lazzarato e Harvey, vêm traçando uma cartografia destas dinâmicas do novo capital, e também da rebeldia popular que insurge quando se retira radicalmente o bem estar social defendido como base constitucional de países democráticos. Dentro da própria lógica capitalista de produção coletiva, colaborativa e em rede, que é própria da lógica do capitalismo pós-fordista, surgem também novas formas de colaboração e de fazer-com que recusam os mecanismos representativos da democracia burguesa, mesmo quando sob as siglas de esquerda. Estas resistências assistem à expropriação do comum, desde os bens comuns como a água, as florestas, as praças e parques, ou até mesmo a expropriação da produção do comum em processos informais dos novos modos de vida que não cabem na lógica do Estado-capital. Para esta nova geração conectada em redes múltiplas que se superpõem globalmente, a democracia representativa não corresponde mais à produção dos desejos por mais direitos, ou por uma vida na qual não apenas se participa de processos eleitorais garantindo plenos-poderes aos governantes. A crise da representatividade abarca uma crescente necessidade por participação direta, por democracia real, por participação-decisão como palavras inseparáveis. Portanto, independente da crise do capitalismo global, assistimos ao surgimento de uma nova ontologia do precariado própria da multidão, configurada ao mesmo tempo: a) por um homem endividado (LAZZARATO, 2014 ou HARDT & NEGRI, 2014) complemente imerso no capitalismo financeiro, que tem a sua riqueza criativa expropriada constantemente pelo fluxo econômico; b) por um homem constituído pela lógica do fazer-junto, do fazer-com, criativa e colaborativamente. Para Negri (2010) esta multidão possui também um nome de singularidades não representáveis, que assim como um conceito de classe, é sempre produtiva e está sempre em movimento. A multidão seria então, um ator social ativo, uma multiplicidade que age; seria também o conceito de uma potência que desconfia da representação e em contraste com de povo, porque é uma multiplicidade singular, um universal concreto. O povo constituía um corpo social; a multidão, não, porque ela é a carne da vida e, ao contrário da pura espontaneidade, é como algo organizado num corpo sem órgãos, fora da organização do Aparelho de Estado, ou seja, é um ator ativo de auto-organização, nos introduzindo num mundo completamente novo, dentro de uma revolução que já está acontecendo. A multidão é para o autor, ao mesmo tempo, sujeito e produto da praxis coletiva, assim, como também, cada corpo é multitudinário, ou pode tornar-se uma multidão, formando redes e potencializando contaminações que desejam liberdade na coletividade. A multidão é um monstro híbrido, uma legião, e um projeto que se faz cruzando-se multidão com multidão, misturando corpos operando a mestiçagem e a hibridação, já que o próprio corpo é trabalho vivo e recusa, maquinicamente, a organização constante operada pelo sistema capitalista, portanto, expressão e cooperação, enfim, o poder constituinte da multidão é algo diferente, não é apenas uma exceção política, mas uma exceção histórica, é um produto de uma descontinuidade temporal, radical, metamorfose ontológica, ou seja, a multidão é um nome ontológico de produção de resistências ativas contra sobrevivência parasitárias que constituem a engrenagem da máquina capitalista contemporânea (NEGRI, 2010). A partir desta contextualização, para compreender as relações de força na sociedade contemporânea e realizar um diagnóstico mais próximo da realidade das lutas globais, seria preciso investir em um pensamento-ação, através da filosofia-práxis, que possa nos abrir um campo teórico mais complexo fora do universo da totalidade e que nos permita “entrar no mundo do pluralismo e da singularidade, onde as conjunções e as disjunções das entre as coisas são em cada momento contingentes, específicas e particulares e não remitam à nenhuma essência, substância ou estrutura profunda que as possam fundar” (LAZZARATO, 2006, p.19) Este pensamento-ação nos permite compreender-experimentar a realidade política atual a partir das relações exteriores, fora dos fundamentos, das raízes profundas, dos modelos arborescentes nos quais cada relação só expressa um dos aspectos de alguma coisa. Aqui uma escolha pela teoria pós-estruturalista da multiplicidade, que afasta as relações binárias para compreensão do mundo político, social e econômico, nos lança num campo de pensamento complexo e configurado em múltiplos platôs que se conectam transversalmente. Aponta-se para um pensamento da imanência, através do qual possamos constituir uma ontologia pluralista formada por singularidades que compõem as resistências ao Império neoliberal do capitalismo financeiro, que segundo Negri & Hardt, poderia ser chamado de processos multitudinários, construindo um projeto político de produção do comum. Hardt e Negri em um pequeno e precioso livro denominado Declaração, escrito após a jornada de acampadas que ocorreram por todo o mundo em 2011, dão continuidade ao projeto de mapeamento da multidão e nos ofertam uma sintética e potente análise dos processos revolucionários ressaltando que a estrutura rizomática multitudinária é coletiva e recusa toda forma de ordenação vertical, assim como, o processo biopolítico não se limita à reprodução do capital com uma nova relação social, mas sim, apresenta também o potencial de um processo autônomo que poderia destruir o capital e criar algo completamente novo. (HARDT & NEGRI, 2014)" (RENA, 2014)

Sobre Tática e Estratégia em Certeau

1. Trecho do artigo: RENA, Natacha. Cidade Inventada: táticas do cotidiano constituindo uma multidão de inventos. Belo Horizonte, 2002.

"Táticas, que sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se finca no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo e é determinada pela ausência de poder, diferente da estratégia, que é organizada pelo postulado de um poder (CERTEAU, 2003, p.101). Se, segundo Certeau, a estratégia postula um lugar como próprio e constrói uma base para gestão de suas relações com a exterioridade a tática só tem por lugar o do outro. Ela insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Não dispõe de base para capitalizar os seus proveitos. Pelo fato de seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigília à espera da oportunidade.

Na tática a arte de dar o golpe é o senso da ocasião. A tática é a arte do fraco e este pode tirar partido de forças que lhe são estranhas. Espera de momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos. As invenções táticas (edifícios, utensílios, roupas, móveis, sinalizações, etc) produzidas pelos habitantes das favelas, das ruas, dos locais desprovidos de status financeiro que possibilitam a compra de objetos de design, são costumeiramente consideradas marginais pelas autoridades do design e da arquitetura, e estão, quase sempre, excluídas das referências oficiais da cultura de um lugar. As engenhosidades, muitas vezes chamadas de gambiarras, construídas a partir da necessidade, não são planejadas, nem pesquisadas, nem aprovadas por normas, apenas desenvolveram táticas eficazes para sobrevivência numa situação onde a população é carente de recursos para adquirir produtos industrializados e novos, ou para construir casas projetadas e dentro das normas da cidade oficial.

Para Certeau, há no homem comum e anônimo um homem extremamente inventivo, considerado herói comum, caminhante inumerável que se difere dos nomes próprios, e produz num ambiente de cultura ordinária onde a ordem é exercida por uma arte de fazer. Há uma economia do dom, uma estética de lances, um estilo de invenções técnicas, uma ética da tenacidade. O autor parte do interesse, não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos bens, mas pelas operações de desvio dos produtos por uma prática inovadora dos seus usuários. Estas seriam maneiras ou modos de fazer diferentes que marcam socialmente o desvio operado em alguns produtos por uma prática, criações anônimas e perecíveis que surgem instantaneamente e não se capitalizam. Há nestas práticas uma inversão de perspectiva que desloca a atenção do consumo supostamente passivo dos produtos para a criação anônima que nasce da prática do desvio no uso destes." (RENA, 2001, s/p)




  • (((complementar com texto coletivo)))
  • Percurso histórico - planejamento e insurgência. (Thiago)
  • Biopolítica - biopolítica neoliberal e biopotência. (Natacha)
  • Planejamento x urbanismo
  • Metrópole
  • Centralidade - novas centralidades / centro

Mais infos da Plataforma: Mapa territorializado: https://urbanismobiopolitico.crowdmap.com Blog: www.urbanismobiopolítico.com